terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Safe

Já passara das 23hrs quando o telefone tocou. Catarina não atendeu. Estava deitada, despida. Milagrosamente nenhum cigarro, apenas um shot de vodca. Estava sorrindo enquanto brindava consigo a primeira estupidez não planejada que abalaria toda sua vida, mas estava verdadeiramente sorrindo. Catarina estava livre e sentia que nada a atingiria. Deixou nas mãos do laptop a tarefa de selecionar a trilha sonora desse momento tão especial. A máquina escolhera À Naples il y a peu d'enroits pour s'asseoir por Vincent Delerm, Comfort of strangers por Beth Orton... Mas seu êxtase se deu com Hoje na voz de Gal Costa. Catarina sorria, chorava, sorria e chorava enquanto acompanhava:
...é só não pensar em nós como a melhor parte de mim
E eu quero chegar a um dia dizer: de tanto ficar só, vivo bem sem você...
(O homem é mesmo um excelente criador, quando se dedica)

Quem acompanhasse essa história na platéia ou até nos bastidores, não importa, veriam, é bem possível, uma senhora sem rumo que, pela primeira vez em 53 anos, estava sozinha. Catarina sentia diferente. Dançava solta ao tom de que Comptine D'un Autre ete tomava seu apartamento, a varanda, a rua deserta. E depois desses 53 anos em cárcere, esses foram os 2 minutos no qual Catarina ousou. Depois do corte incisivo da lei, Catarina usou das próprias mãos e rasgou o casulo. Era a liberdade e a primeira sensação de se bastar, de se ser suficiente. Era a primeira aspiração após o cordão umbilical ter sido cortado. O primeiro choro da vitória. O primeiro brilho de luz nos olhos castanhos de Catarina. Era a pura, despretensiosa e verdadeira felicidade que a puxava para fora da cesariana.










Um comentário:

Anônimo disse...

Bem Divã assim, sabe