Menina
que me fita
com olhos garços
entrelaçando
com teu laço
nossos dedos
percorrendo
meus medos,
planta a semente
veemente
no berço frutífero
de sapho.

You know why?
Menina
que me fita
com olhos garços
entrelaçando
com teu laço
nossos dedos
percorrendo
meus medos,
planta a semente
veemente
no berço frutífero
de sapho.
Sou de uma espécie
quase extinta
que a sina
é morrer pelas extremidades.
O veneno entra
pelos poros
da pele
pelo toque
e apenas os olhos
podem delatar o ataque,
dilatados e transbordando,
contraditoriamente
clamando o abraço.
Olhos inchados e avermelhados
que o pintor desavisado
pintou pensando ser
o céu estriado
do pôr do sol.
Aqui onde tudo se perde, onde o modesto não se mede, onde o céu engole a terra.
Aqui onde o coração bate, bate, bate..
...marcando o compasso, contando os paços
de meu caminho.
Aqui onde o vento faz a curva fugindo do marasmo, mas que,
pra evitar o cansaço,
vai... de... man...si...nho...
Aqui onde costuro o destino, bordo, alinhavo,
até que bate o tédio e desmancho.
Aqui onde perco, acho, quebro;
concerto, arrumo, desencanto.
Aqui onde o trovão sacode a janela e o relâmpago clareia o quarto.
Aqui onde a tatuagem com o nome dela sai do peito e fica no retrato.
Aqui onde o médico diagnostica um abscesso.
Aqui onde meu corpo cai e desfalece.
Aqui onde me deito, fincando as mãos no chão pra ter mais coragem.
Aqui onde me deito e faço uma prece.
É aqui onde o que se mata morre incerto.
E o vivo,
...
o vivo não sabe se merece.
- Preciso que você venha. Preciso que você venha e traga o que me inunde. Preciso que você traga o calor, que traga o brilho. Preciso ser aquecida, iluminada. Venha e traga o segredo para que eu me sinta bem ao menos essa noite. Venha e traga isso que me faz rir ao mesmo tempo em que arrepia e formiga e umedece e faz querer.
...
Já era noite quando ela chegou à casa de Catarina. Tocou a campainha. Ela era linda. Do tipo engraçada, do tipo intelectual, do tipo amiga, do tipo sexy, do tipo perfeita. E estava mais linda, do jeito que se faz quando se quer estar. Os olhos de Catarina brilharam. E eles imploravam de um jeito tão avassalador que o que fora pedido fosse fato que ela entendeu que aquilo precisava ser feito. E rápido:
- Gata, trouxe esse livro de Hilda Hilst que ganhei de amigo secreto no natal. Agora vou indo, ele me ligou e a noite hoje promete.
Deu as costas e saiu.
Catarina, desnorteada, começou a ler. Catarina até riu e quando sentiu um leve formigamento deitou-se e o colocou entre as pernas. Pensou:
- É, serve.
A gralha que gargalha calculista
Fita meus olhos turvos em segredo
Sorrateira, os inunda com o medo
Que transborda na gota derrotista
O silêncio sufoca, derradeiro
E a gralha mata o anestesista:
O grito - que some sem deixar pista.
Levo as mãos à boca em desespero
É música no bico desse artista
Que geme e grasna e grita um pesadelo
De visões desgraçadas que eu mereço
Forço os olhos abertos – estremeço.
É estrela dessa orquestra, é solista
A gralha que gargalha calculista.
Em uma tentativa vil de desvirginar o labirinto que suga a humanidade
Meti minhas mãos naquela frívola multidão
Mas em vez de encontrar a alma que o corpo inunda
Rasguei vísceras de sangue pérfido e grosso
Uma corrente horrenda dotada de um monocromatismo monstruoso
Uma mistura de tons naquela universal vermelhidão
Em monólogos absortos, mas angelicais
Escalei as muralhas dos inconscientes
Mas esse silencio, esse mistério me impede de subir mais e mais
E agora esse corvo gargalha nos meus umbrais, convulso
E a noite funciona como um firme pulso
Onde me perdi na obsessão que em minha alma também um fígado sangrava
Que em minha alma também uma garganta gemia
E vi meu corpo coberto de desgraça
Na incerteza do que e do que não havia.
23/05/05
Catarina, a única dos cinco irmãos que não conheceu sua mãe, foi marcada. Seu pai tentava, mas não conseguia esconder sentir Catarina como a culpada pela sua perda. Mas ela se importava com nada. Catarina só queria a luz.
Talvez um erro da natureza tenha sido o culpado por não permitir que Catarina ocupasse seu papel de filha. Aos 15 anos cortou os cabelos nunca antes cortados – os deixado acima dos ombros –, vestiu uma calça de um de seus irmãos, calçou um par de botinas e foi.
De domingo a domingo - ou seria segunda a segunda? - todo dia era ontem. Todo ontem, amanhã. Ela andava por calçadas, circulava por praças, cruzava esquinas.
Foi acolhida por Madamme Sindy em um prostíbulo conhecido por Céu de alguma cidade pequena que nunca fez questão de descobrir onde ficava. Catarina, que nunca quis mudar de nome, continuou a se chamar Catarina. Todas as noites eram Noite. Vestia o que mandavam e ás vezes mandavam nada vestir, apenas usar alguns colares que diziam ser de diamantes. Passava noite após noite entre o palco, um queijo, um colo. Ela se importava com mais nada.
Os dias corriam e Catarina continuava a ser Catarina. Madamme Sindy gritava:
- Menina! Pra onde pensa que vai com esse par de botas? Puta de Sindy só anda no salto 15!
Mas Catarina era Catarina. Ela andava por calçadas, circulava por praças, cruzava esquinas. Ela só queria a luz.
Conheceu Portuga, um frequentador, em uma dessas noites. Ele a apresentou à Maria Joana, sua primeira, mas que não foi suficiente para realizar seus desejos. Catarina queria a luz! Conheceu outras, se divertiu com outras, foi feliz com outras e triste também. Foi quando conheceu a Lucy, no Céu, com seus diamantes. Seu cheiro de canela que podia ser ouvido a milhares de km de distância. Suas curvas perigosas, geométricas. Suas formas irregulares que se misturavam com as piramidais, octaédricas, dodecaédricas. Arrepiava com seu toque. Delirava com seus sons, deslumbrava-se só de sentir a Lucy encostando-se a sua língua.
Catarina nunca tinha tido na sua vida tantas cores, tanto brilho. Ela era tão linda que não deixava Catarina distinguir o certo do errado, não a deixava decidir. Ela era o sol refletido nos olhos de Catarina. Ela era sua. Até quando passava dias, semanas sem senti-la, a sensação de tê-la correndo por sua língua voltava quando menos se esperava.
Catarina passou a encontrar Lucy no Céu com seus diamantes todas as noites, por meses, anos. E todos os dias andava pelas ruas a espera desse encontro. Ela andava por calçadas, circulava por praças, cruzava esquinas. E Madamme Sindy não cansava de adverti-la:
- Menina! Já disse que não ligo pro teu lance com a Lucy! Mas onde pensa que vai com esse par de botas velhas? Puta de Sindy só anda no salto 15!
Mas ela se importava com nada. Catarina só queria a luz, só queria a Lucy.
E foi numa dessas noites alucynadas que Catarina, defendendo a Lucy de Portuga, que ameaçava tira-la se não pagasse por ela, que Catarina encontrou o que tanto procurou.
- Lucy é minha! Venha Lucy, vamos ao Céu com diamantes.
Talvez sem perceber ao certo, tomou a Lucy pelas mãos, pernas, língua e correu. Correu por calçadas, circulou praças, cruzou esquinas. E foi em uma de tantas cruzadas que cruzou com a luz. E ela veio com tanta velocidade, com tanta força. Talvez por ciúme, a Lucy não deixou que Catarina a sentisse. Ela ficou lá. Jogada no chão. Imóvel. Perdida. A última coisa que ouviu foi o lamurio de Madamme Sindy que anunciava a desgraça:
- Caralho! Perdi uma bela puta, mas também, pra onde ela pensava que iria com esse par de botas velhas?